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Fonte: Google Imagens |
Com isto em mente, atentemos a um exemplo prático fictício:
No dia 04 de Abril de 2025, por volta das 18H00, ele entrou num supermercado e, durante sua permanência, escondeu um perfume no bolso interior do seu casaco.
O vigilante de serviço, que monitorizava o local através das câmaras de videovigilância, observou a acção do João e, para evitar uma perseguição física, optou por intervir antes que este atravessasse a linha de pagamento.
Assim, aproximou-se do João e solicitou-lhe que devolvesse o perfume que havia colocado no bolso. Em resposta, o João desferiu-lhe um soco e fugiu do local.
No entanto, logo após ter cruzado a linha de pagamento, o João foi capturado por um polícia que se encontrava de serviço no local, ainda na posse do perfume.
Ao ser revistado, constatou-se que João não possuía qualquer quantia em dinheiro nem qualquer outro meio de pagamento.
Será que a conduta do João preenche o tipo de crime de “violência depois da subtracção” (também designado por “roubo impróprio”), previsto e punido pelo art.º 211.º do Código Penal (CP)?
O art.º 211.º do CP estabelece o seguinte:
“As penas previstas no artigo anterior [1] são, conforme os casos, aplicáveis a quem utilizar os meios previstos no mesmo artigo [2] para, quando encontrado em flagrante delito de furto, conservar ou não restituir as coisas ou animais subtraídos”. [3]
[1] No “artigo anterior” (art.º 210.º) encontra-se previsto o crime de roubo.
[2] Esses meios são:
● violência contra uma pessoa;
● ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física; ou
● colocar alguém na impossibilidade de resistir.
[3] Sublinhado nosso.
Vamos fazer uma incursão breve pelas palavras e expressões sublinhadas. Comecemos por “flagrante delito de furto”.
Nos termos do art.º 256.º n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP), “é flagrante delito todo o crime que se está cometendo” (flagrante delito em sentido estrito) [4] “ou se acabou de cometer” (quase flagrante delito). [5]
[4] Quando o agente é surpreendido no decurso da execução do crime.
[5] Momento em que findou a execução mas “ainda no local da infracção em momento no qual a evidência da infracção e do seu autor deriva directamente da própria surpresa” (Cavaleiro Ferreira, in Curso de Processo Penal, II, pág. 389).
Há ainda flagrante delito (presumido) quando o agente é, “logo após o crime, perseguido por qualquer pessoa ou encontrado com objectos ou sinais que mostrem claramente que acabou de o cometer ou nele participar” (art.º 256.º n.º 2 do CPP). [6]
[6] Relativamente ao alcance temporal da expressão “logo após o crime”, podemos verificar, no acórdão do TRP, de 01/02/2012, que existiu presunção de flagrante delito num caso em que, 2 ou 3 horas após um crime de homicídio, o agente foi encontrado com um objecto e sinais que mostravam claramente que o tinha acabado de cometer.
No que diz respeito ao crime de furto, o art.º 203.º n.º 1, do CP, estabelece o seguinte:
“Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair coisa móvel ou animal alheios, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa”.
Quando ao iter criminis (percurso
ou caminho do crime) do furto, a doutrina e a jurisprudência têm distinguido os
seguintes momentos:
Sendo assim, o flagrante delito em sentido estrito inicia-se com a aprehentio (início da subtracção) e cessa com a ablatio (fim da subtracção/consumação do crime de furto).
Logo após a ablatio existe “quase flagrante delito” e, durante a illatio, pode haver flagrante delito “presumido” nos termos do art.º 256.º n.º 2 do CPP (com o alcance temporal referido em [6]).
Mas será que o legislador, ao referir, na parte final do art.º 211.º do CP, “coisas ou animais subtraídos”, pretendeu apenas abranger a violência (lato sensu) exercida após a ablatio (fim da subtracção/consumação do crime de furto), não pretendendo incluir o flagrante delito em sentido estrito?
Entendemos que não, pois o art.º 211.º, do CP, separa claramente duas situações:
1.ª → Alguém que, em flagrante delito de furto, conserva as coisas ou animais subtraídos;
2.ª → Alguém que, em flagrante delito de furto, não restitui as coisas ou animais subtraídos.
Sendo assim, parece-nos que, em sentido técnico jurídico, só se conserva o que ainda está a ser subtraído e só se restitui o que já foi subtraído. [7]
[7] A reforçar o nosso entendimento, encontra-se o art.º 206.º do CP, com a epígrafe “Restituição ou reparação”.
Regressando ao nosso caso prático, podemos concluir que o João, ao esconder o perfume no bolso interior do seu casaco, deu início à subtracção (aprehentio).
Estando o crime de furto em execução (flagrante delito em sentido estrito), ao desferir o soco no vigilante para conservar o perfume na sua posse, o João cometeu o crime de “violência depois da subtracção”, previsto e punido pelo art.º 211.º do CP.
Para concluir, e considerando o nosso esquema supra, entendemos que, se o soco fosse deferido:
→ No momento da contrectatio (ou em fase anterior), o João cometeria um crime de roubo (art.º 210.º do CP);
→ No momento da aprehentio, da amotio ou da ablatio (flagrante delito em sentido estrito); logo após a ablatio (quase flagrante delito); ou durante a illatio, com o alcance temporal referido em [6] (flagrante delito presumido), o João cometeria um crime de violência depois da subtracção (art.º 211.º do CP);
→ No momento da illatio, não havendo já flagrante delito presumido, o João cometeria, em concurso real, um crime de furto, p. e p. pelo art.º 203.º n.º 1 do CP (eventualmente de natureza particular [8]), e um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º n.º 1 do CP.
[8] A este propósito, recomendamos o nosso artigo denominado: "Crime de Furto em Estabelecimentos Comerciais".
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